quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A chave do desejo







Seria tão bom se houvesse uma chave que fizesse o desejo iluminar-se apenas no lugar certo. Seria tão bom que tivéssemos sempre a certeza de que nos acendemos aonde devemos de fato fazê-lo. O ideal seria que o desejo funcionasse como uma chave que se incandescesse apenas diante do outro escolhido, o objeto eleito, aquele que chamamos nosso amor. Mas obscuras motivações não raro atravessam este caminho, poderíamos pensar talvez que curiosas inclinações da natureza costumam sabotar estas intenções. Caprichos, estranhos caprichos da biologia que não levam em conta nada daquilo que a moral, as regras, as normas sociais estabelecem na gestão do desejo. A gestão do desejo na vida romântica, passa ao largo da biologia, na via do amor sacramentado o desejo deve ser adestrado, mostrando-se apenas à cara-metade. Contudo este afeto tão bruto costuma não ser muito racional, bem como leva também pouco em conta argumentos sociológicos, antropológicos, religiosos, morais. Fortuitamente, ele assalta o vivente. Não se sabe bem o que faz com que alguém seja do ‘seu número’, mas todos sabemos como eventualmente podemos ser surpreendidos desejando, observando, olhando para algo que não devíamos, mas de alguma forma queremos, e mesmo que isto seja absolutamente inadequado ou impossível, o desejo ferrão da carne cutuca. Importante notar como isto pode ser enganoso, insustentável, puro semblante, aviso aos inadvertidos, o desejo adora se agarrar aos semblantes. Algumas vezes contudo é possível tentar ver se tal afeto procede, normalmente aferere-se isto no encontro com a carne. Nestas horas abrem-se as cortinas, e então a disciplina ‘química’ mostra toda sua pujança. Em português costumamos usar exatamente esta palavra para manifestar se houveram afinidades ou não nos encontros carnais. Então a química, que ‘bate ou não bate?’, outro nome para as estranhas inclinações, torna-se a senhora da situação. Quando nossa química bate, entre outras coisas, tornamo-nos docilmente serviçais. Tentamos fazer com que tudo se encaixe, o poder dessa química no encontro dos corpos e na encarnação do desejo é determinante. Existem aqueles que irão por toda sua vida se contentar apenas com isto, outros levarão em conta mais ingredientes, mas não se pode negar o poderio que reside neste encontro ‘químico’. Farmacotóxico. Veneno que cega a razão, encontro com poder de fazer tudo parar, de interferir no tempo, interfere visceralmente. É impressionante como somos viscerais. Nossa sexualidade, lugar tão característico para o desejo, é exatamente o elo da corrente, como diz Freud, é o ponto onde o indivíduo e a espécie confluem, o indivíduo durante o coito busca seu prazer pessoal, seu êxtase, e ali, sorrateira, líquida, entre fluídos a vida passa, é ali, que a vida vai adiante. Muitas vezes não nos lembramos disto, mas é assim que acontece. O tal desejo fez uma parceria com a carne indissolúvel, eles se entendem muito bem. Nós é que não entendemos muito bem isto. Tentamos domesticar os desejos. Valorizamos a fidelidade, regulamentamos juridicamente uma monogamia, dura Lex, sed Lex: - quem sabe assim eles se seguram? Mas na verdade, não, a lei não consegue adestrar nosso desejo. O desejo é um bicho sem cabeça, acéfalo de nascimento. Talvez pudéssemos dizer que o desejo foi forjado em cima de materiais muito arcaicos, primevos, e por isto guarda tanta insubordinação, por isto é tão errático, indócil, guloso. O desejo desconhece a razão, desconhece os princípios, ignora a norma, despreza a virtude, despela o sujeito e o escancara sem véu. Quando você olha no espelho e encontra com ele e consigo mesmo, aturdido, se pergunta: - Meu Deus; eu sou isto? Esse desejo, delícia e desespero, na verdade mostra como permanecemos indomados. Como somos frágeis, como nossa boas intenções, como as normas e as leis, são frágeis, tudo é delicado como um cristal, bruto, só aquilo que sai de dentro, este sim, legítimo representante da nossa ignorância sobre nós mesmos dita o curso das coisas. O desejo, o meu desejo, é meu e não é, quando olhamo-nos olhos nos olhos, nunca sei quem manda. Sabe, não costumo ceder tão facilmente a ele, tenho noções rudimentares sobre como deixá-lo à deriva pode ser desastroso. Mas me pergunto sobre ele, miro-o, vejo-o me fazendo mirar. Os anos advertem sobre o fato de que o desejo é cheio de caprichos. Atendê-los pode ser complicado. Estes caprichos mesmo que inicialmente pareçam uma deliciosa volta no paraíso, quando momentaneamente atendidos, podem se metamorfosear em um verdadeiro tour com o diabo servindo de guia, no inferno. Temos questões importantes aqui. Quando você trai alguém, traiu quem? Uma pergunta lacaniana.Traiu a si mesmo? Traiu ao outro? Ou foi honesto com seu desejo? Ou traiu seu desejo momentaneamente? Foi fraco? Foi forte? Foi humano? Foi animal? Animal, animal, animal, foi animal, apenas animal. Você, meu caro escravo mostra assim quem manda, você não é mais que o serviçal de um despótico desejo senhor. O desejo, e sua promessa de felicidade no encontro com o que resolverá a falta te engana, o desejo é guloso, ele não se sacia. Você, cego e burro tenta saber sobre ele, recolhe-te em tua ignorância. Você criatura de carne não tem que saber disto, contente-se em dele gozar e dele padecer.








Anderson Matos

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Miojo não


A cabeça da Medusa, Vick Muniz







Um miojo não tem gosto de absolutamente porra nenhuma. Tem gosto de uma solidão besta que se materializa num espaguete préte-a-porter insosso, gosto amargo das coisas prontas e rápidas que se oferecem com cara de solução pra o que não tem remé(té)dio...

Detesto miojo porque ele me lembra que quando tenho que comê-lo, minha mãe faltou,  minha mulher já havia se tornado ex e portanto devia estar ausente, e a massa tem um gosto amargo e estúpido de quem tem que se virar. Ele é muito prático, e muito sem amor. Miojo tem gosto do que está irremediavelmente pronto pra te resolver esta solidão besta que o seu estomago te faz gritar, e te obriga a buscar vida alhures, os pedaços necessários para que o tubo continue a funcionar.

Não gosto de espaguete porque precisa ser mama demais pra poder fazer um espaguete de verdade, e mama demais é um negócio que tá mais na sua fantasia que na realidade, e mama demais quando dá pra dar certo desanda tudo que da pra desandar, porque mama de tetas fartas enche o saco, enche a boca, enche o tubo, putaquipariu mama demais também é duro.

Na verdade tubo existencialista de múltiplos ductos, tem jeito não. Viver é assim, esses pedacinhos de migalhas, filigranas. Choro de bebê e festa, 27.07. saldo totalmente negativo, estourado, as figuras intestinas de Hyeronimus Bosch assim, fragmentação especular de mercado econômico, volatilidade, um tubo famigerado existencial recupera os fragmentos do dia, no fio do espaguete, uma vida desenrola, o miojo queimou...



Anderson Matos

27.07.2004


Vagina dentada






Pintura de André Masson que recobria o quadro que se encontra abaixo...





Buracos, muitos, só na cabeça sete. Estes espaços não são vasos sem flores, embora vazios ou ocos, captura-se o mundo em seus entornos, são fendas que permitem trocas entre dentro e fora. As mulheres contudo tem um a mais. Tornam-se por isto insaciáveis. É muito buraco, e objeto neste mundo não há que preencha isto, tentamos fazê-lo, mas não ocorre. Estas faltas são constitucionais. A mulher tem um buraco onde o homem ostenta um pedaço de carne, eles encontram-se e desencontram-se. Buscam-se, perdem-se, ele se ergue, ela morde, ele cospe, ela engole. Lembrança de uma ternura diz Lacan sobre a detumescência. Os homens amam e odeiam as mulheres, assim como elas também o fazem. Os homens tem amor e horror às mulheres, a caverna da mulher é sempre um enigma que o homem supõe conhecer, mas sabe que não sabe, trata-se do impossível de saber. Elas também não sabem. Os homens não entendem nada das mulheres, é um continente negro, é uma bocarra que vai nos engolir com seu desejo. Definitivamente, os homens amam e odeiam as mulheres porque eles sabem e não sabem aonde elas vão levá-los. A caverna além de quente e úmida é escura, suas paredes são um bom berço, convite ao deleite. Ele doa e dorme com um sorriso besta, pensa que fincou uma bandeira, mas a verdade é que o buraco-caverna-vagina da mulher morde o homem, e ele serviçal, mesmo que monte, apenas se curva ao lugar daonde saiu.







A Origem do Mundo, Custave Courbet, 1886





Anderson Matos

13.11.09.

Foto na tela de descanso





Você é uma sacana, colocou uma de suas fotos entre aquelas que figuram em meu fundo de tela do computador. Não imagina a minha surpresa, o dia que atônito, vi surgir sua imagem entre as fotos que tomavam lugar na tela. Escolheu uma da série ‘trepa’; como você assim nomeou estas fotos. Tratam-se daquelas em que você fez caras e bocas sexy para a câmera do computador. Olhares enigmáticos, junto com o cabelo jogado assim ou assado e a alça da camisola que aparece, dão o tom de erotismo. Não obstante existem ainda algumas que você tirou comigo colado no seu cangote, comigo lhe esfregando a barba na nuca. Olhos de soslaio, meio abertos, entre sorrisos sacanas, mostram-nos calientes, são apimentadas estas fotos, parece que se não estamos ainda, vamos realmente trepar logo.
Imagine só, eu sozinho olhando para as teias de aranha no teto, escutando qualquer coisa, pensando em tudo e em nada. Entre Freuds, Davincis, fotos das loucas de salpetriére, Umbertos Ecos, olho barroco e mapas das paixões, me aparece você com aquela carinha safada. Estas fotos aparecem em slowmotion, vem ganhando a tela devagar, e uma se sobrepõe à outra.





Passa Freud com um olhar vago, meio triste, passa a linda foto que eu tanto gosto, de Augustine em êxtase, depois a tabula antropométrica chamada ‘De La simmetria dei corpi humani’,







e ai entra tu. Foi como se eu tivesse ganhado um tapa no rosto. De novo com sorriso de gato de Alice, um olho vadio, me desafia, erótica. E como se você me perguntasse: - e então idiota; - feliz? E então estúpido, está vendo isto aqui? É uma mulher, mas não uma mulher qualquer seu trouxa! Aqui  é 'A' mulher. A mulher que te deu amor e colo. Imbecil! Você está feliz, hem seu idiota? Fala! filho da puta! Você está bem agora? E ai você some e entra no seu lugar a foto do ‘Afresco do inferno’ de Giovanni de Modena, logo depois a cabeça da Medusa, segue o sacrifício de Isaac, do seu tão querido Caravaggio, depois o jardim das delícias de Hyeronimous Bosch, logo depois ‘Alma atormentada’ de Michellangelo, Prometeu acorrentado, o Juízo final, de novo Bosch, ‘Judite e Holofernes’, de novo Caravaggio.




Conhece a história de Judite e Holofernes? Ele é um general garboso, que depois de conquistar a cidade solicita Judite para seu desfrute. Ela cede, e logo depois do coito, ‘pós coitum, animal triste’, ela o degola. Parece uma fêmea de Louva-Deus. Arranca-lhe a cabeça. Ela mostra como não se deve brincar com as mulheres. Degola o general com sua própria espada, mulher danada.





 

Como você pode notar, não fui ao casamento ontem. Preferi a presença da ausência. Não sei como iria me comportar no social, perto e longe de você. Não sei como iria olhá-la, não sei se saberia me portar bem. Ver nosso filho entrar de pajem em uma igreja provavelmente me encheria os olhos de lágrimas. Passaria um turbilhão na minha cabeça e nossa vida seria revista em flashes rápidos, como uma alucinação visual, tudo passaria rápido durante a caminhada do garoto pela nave da igreja até chegar ao altar. Sei que isto me emocionaria e me faria sentir uma pontada aguda no peito. Eu me sentiria ainda mais idiota, ainda mais sozinho, ainda mais equivocado, ainda mais perdido, ainda mais Holofernes, me sentiria como um Louva-Deus degolado pós-coitum. Por isto, cometi a indelicadeza para com toda da comunidade de amigos e não dei as caras, eles não mereciam a grosseria, mas eu e meu não-lugar, estaríamos ainda mais sem lugar ali.





Tirei a foto que você colocou entre as que ficam para fundo de tela. Na verdade, ela já havia aparecido antes, um dia durante uma aula, o notebook entrou em estágio de descanso e estas fotos surgiram na tela, por acaso, neste dia, ela estava virada de modo que alguns alunos conseguiam vê-la. Percebi um sorriso acompanhado de troca de olhares de alguns e olhei rápido para o computador para ver o que tinha ocorrido, vi apenas sua imagem fugindo da tela de relance. Mas não me ocorreu naquele momento de tirar, acabei me esquecendo disto. Só depois é que fui vê-la novamente. Esta imagem funcionou como tem funcionado minha lembrança. Tento encher meu pensamento com outras coisas. Tento não pensar no que ocorreu. Tento não sofrer. Eventualmente contudo, você, seu cheiro, seu gosto, sua temperatura, invadem meu sossego. Assaltam minha lembrança e se perpetuam no meu pensamento, açoite. Parece a pulsão freudiana, não se tem para onde correr. É duro, como dizia Leminski. O chão é muito duro.







Anderson Matos


Na loteria







Ia contrariado pagar a conta do aluguel, ia contrariado por que sabia que ao pagar a famigerada conta, sua conta corrente estouraria necessariamente, e daí em diante, até o fim do mês, ficaria sofrendo nas vísceras como é que ia sobreviver sem o vil metal, dependendo do humor glacial do administrador, digo, do gerente de sua conta. Ia para a casa lotérica pensando nos lances de dados da vida, na casa lotérica iria pagar uma conta, enquanto outros lá estavam para os jogos. Sorte ou azar? Uns testando a sorte, ele clamando do azar de sua sina de ser sempre remunerado aquém do que precisava. Sorte no amor, azar no dinheiro? A casa lotérica ocupa ambíguas funções, de ter se tornado lugar onde se pagam contas, impostos, taxas, e de continuar a ser o lugar da aposta, do jogo, do sonho que pode se materializar de forma capital. Money, money, money. Não mais a preocupação com a chatice das contas, se ganhar na loteria serão só valores a receber. O sonho de que a falta se preencherá com algum objeto, ou com todos os objetos que o dinheiro pode comprar, doce ilusão. Ia pensando para que serve uma loteria, no seu caso pensava: - que azar, para pagar! Ou será que é sorte? Na famigerada casa lotérica, uma famigerada fila. ‘Acostuma-te a lama que te espera, o homem neste mundo miserável mora entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera’. A fila faz os segundos se alongarem infinitamente. Está fora do ar! Escutou. Cabisbaixo, ruminava suas contas, seus centavos, sintoma de obsessivo, que merda. A relação coprofílica com o dinheiro. Com a falta, será que ganhar na loteria faz alguém feliz? Pensava, evitava a câmera que com um olho sem pupila filtrava a cena da rotina da fila da sorte e do azar. Na boca do caixa, um sujeito muito chato tagarelava alto uma história interminável, se vangloriando na sua estupidez ‘coito de impotentes a corar ao sol no riacho da estupidez’- Almada Negreiros. A fila que era longa e viscosa pareceu agigantar-se. Por um segundo observou diante de si um flerte. Uma cena discreta e gritante ao mesmo tempo. Um paradoxo. Um septuagenário alto, com seus óculos excessivamente grossos, que denunciavam sua quase cegueira, se esgueirava junto a uma moça que pecava pelo excesso no destaque de seus atributos femininos. Denúncia de uma histeria. O braço murcho e longo do velho, a pele sem tônus que revelava a incidência do tempo se deixava encostar no braço da moça. Braço desnudo, com ombro desnudo, com barriga desnuda. Uma moça semi-desnuda. Anca larga. Cabelos negros e excessivamente volumosos. Contraste com o grisalho absoluto sem saudades dos castanhos do velho. Ele murmura alguma coisa, discretamente, em um cicio. Emprego, um amigo pode ajudar. Ele quando olha para ela tem um olhar de cobra hipnotizando sapo. Ele não olha o tempo todo, é sutil, porém quando olha seu olhar é guloso. Aparentemente a moça lhe desperta saudades viris. Por algum motivo, apesar dela beirar o mau gosto pelos excessos, ele se sente fascinado. Suas carnes velhas contrastam com as carnes da moça. Talvez ela lhe remeta a amores antigos. Talvez apenas fantasias, ‘uma lembrança de ternura’? graças a essa tecnologia maravilhosa, a tumescência é um produto de mercado. Os homens não precisam mais amargurar da carne flácida. Pesadelo do homem com seus símbolos, a concreta carne e o que ela, quando funciona ou não representa. Um mal estar na fila. Uma senhora, lançando mão de seus direitos de sexagenária se encaminha para a cabeça da fila sem titubear. Casa lotérica, lugar de sorte, azar e de direitos também. Por ter mais de sessenta anos deve ser atendida primeiro. Há um porém, retruca a insensível moça do caixa. Existem outros anciões na fila. E também a fila é longa, deve-se pedir aos senhores na fila a permissão para o exercício do direito, ou mesmo a concessão do direito de exercê-lo. Os senhores na fila permanecem estáticos. O meu bom ancião, Dom Quixote em flerte não move um músculo na face. Seu silêncio mostra que abre mão de seu direito. Alias, estava garboso, ereto como se apresentava ao lado da moça, permaneceu. Não dava para ver seus olhos por traz dos grossos óculos, mas é possível que expressassem um contragosto. O sujeito em meio a um enredo fálico, sensual, buscando na oportunidade da fila carne fresca para a alma cansada. Lembranças de rapaz, lembranças de homem, uma pílula assertiva não o negaria o deguste. O desejo aceso junto ao progresso da ciência faz no homem a sensação de imortal, um falo se ergue poderoso, uma prótese qualquer há de sustentá-lo. Afinal, para que serve o desenvolvimento da ciência. Pagamos tão caro pela vida moderna. Um comprimido não o deixaria mal nos lençois, lençois, lençois, e essa velha idiota com esse papo de não querer exercer o direito deles, eles os senhores idosos não querem ir para a frente da fila. Para o caralho com a frente da fila, pensa o velho. Eu quero é ficar aqui atrás. Sentir o cheiro jovem da boa carne da boa moça com seus cabelos negros. Cacete de fila que anda. Surge a sua vez de ser atendido, o idoso oferece o lugar a moça, ela recusa. Ele anota o telefone para ela em um cartão de loteria. Grande jogada, grande lance, no cartão de loteria. Vai dar sorte pensa. Ela vai me ligar, repete para ela em voz baixa: - ele estava mesmo precisando de alguém para ajudá-lo no escritório. Pergunta ainda: - qual o seu nome? – Ana. Ele não vacila, não perde a oportunidade, o tempo urge. Um lance de dados, solicita doce e firme para ela: - anote o seu número para mim. Vou falar com ele hoje ainda. Ela anota num papel de jogo. Um homem nessa idade deve ter dinheiro! Já vi ele andando de carro pela rua. Carro bom. Quem sabe? Quantos anos mais ele deve viver? Será que tem filhos? A herança é boa? Deve ter casa própria. Será que tem outros imóveis? Ela anota, Ana 3411... Ele volta da boca do caixa, pega o papel, guarda-o no bolso, passa o seu para ela. Um sorriso discreto, vitoria pensa, delícia, gostosa. Vou te comer todinha. O velho ganha a rua, altivo, confiante. Chego na boca do caixa, a câmera me filma, meu olhar é vago, minha testa está franzida. Essa merda desse aluguel vai estourar minha conta.
















Anderson Matos