E as palavras continuaram
pingando, até porque, a vida ainda não havia cessado. Outras coisas cessaram,
outras vidas, outros tempos, outras escadas e flores. Mas não haviam cessado
ainda aquelas. Um sem número de nadas haveria de dar um tempo aquela historinha
insignificante. Rodeios e erros repetidos sistematicamente, enfadonha sensação
de cansaço, saco, prevaricação da paciência.
Preciosismos levados ao extremo da extenuação, para ver até aonde o
outro aguenta. Filigranas insuportáveis de detalhes banais e chatos para saber
se o sujeito tem peito para suportar o baque. Nada justifica aguentar a raiva.
Ela achata, mutila e massacra a carne, sojiga, dilacera e mói a alma. Rasga
contratos, dissolve a consideração, cria uma lente iracunda que aumenta todos
os pormenores dando-lhes superlativos indeglutíveis. Nada como o fim do fim.
Nada como o dia a dia comendo tudo, e todos nós, nada como os dias me comendo,
você busca apenas o lugar aonde jogar a pimenta. Nos olhos, nos olhos, nos três
olhos. O tempo anda me comendo, como disse Mozé, ele anda me comendo por trás.
Posso dizer o mesmo de você. A única diferença entre você e o tempo da Mozé, é
que você não escolhe o lado, você come por todos os lados. Come com a boca, com
os olhos, com os ouvidos e as mãos, come, me come com as unhas. Uma das minhas
partes que mais te apetece é meu fígado. Eu sei desde sempre que não
conseguiria ser perfeito, nem a perfeição nem a felicidade fazem parte da minha
espécie. Tolo engodo que somente o desejo permite imaginar possível. Ainda que
os restos sejam levados por uma brisa leve às nuvens, mesmo que repousem barranco abaixo como uma neblina, mesmo que haja um crepúsculo inapagável,
ainda que as lágrimas se percam na chuva, nada, jamais trará à você satisfação.
E é somente por isto que as palavras não param de pingar.
terça-feira, 30 de outubro de 2012
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