Enfim, os livros já estão na caixa há quinze dias, é hora de buscá-los. São restos, os livros fora da estante já não tem mais tanta importância. Tirar os livros neste caso é largar o osso, é ir adiante, sem lenço, documento ou papel pendente. Que se levem os papéis. Papelada danada, para que serve tanto livro, tanta letra, tanta folha, tanta palavra, tanta sílaba, ditongo, monossílabo, monotônico? Tanto peso, tanto papel, tanta vida, nos últimos dez anos as estantes se estenderam, ampliaram. Os livros, ex-niil, brotavam, loucura, parecia produção independente, um livro aqui, outro acolá. Delícia, paginas e paginas, palavras e palavras, letras, letras, sons, de dentro, de fora, guturais, intestinos, de outrem. Palavras forjando ser, lavra, sentido, sentimentos e sensações que não encontravam além de si mesmos, lugar outro que não palavra. Tudo passaria, tudo, apenas as palavras não. Depois rir-se ia delas, lamúrias infinitas, masturbação mental, chora primeiro, ri depois. Quando eu consigo ser bem objetivo eu percebo que neste momento devia estar fazendo coisas mais importantes do que escrever, sim, deveria sim escrever, mas não esse tipo de lapidário querelante infinito. Tem um vírus filho da puta que salta diante da tela insistentemente, parece sua lembrança me atazanando, agulha, garfo, pontada, espetada, caralho, putaquipariu. O vírus quer me matar, parece a remoção de todos os livros da estante, houve um momento em que olhá-los na sua ordem desordem, produzia uma calma acolhedora, anestesiante, shi, shi, mamãe, ta aqui, papai ta aqui, titia ta aqui, vovó ta aqui, tem colo aqui. Olhar aqueles livros daquele modo organizados era olhar para uma espécie de sentido para o mundo. Era olhar para outro esteio, sinto o mundo articulado em esteios, redes, o mundo ganha sentido com símbolos. Os livros nas caixas ficam em uma espécie de semi-sepulcro que coloca o mundo como um todo em uma espécie de sombra. Um longo eclipse, eclipse triste. Tirar o resto dos meus livros de sua guarda, é tirar o resto de mim, insistente e sem vergonha que não te larga. Tirar estes livros é produzir uma separação necessária, é tirar o último objeto do resto. É tirar seu rosto do meu gosto. É tirar as palavras da estante e levá-las alhures.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Aonde tem fumaça... pode haver um fumante
A nova chave embora tenha pouco tempo já ganhou as marcas da embocadura em que encaixa
os velhos vícios impregnam tanto o fogão quanto o pulmão
fumaças defumantes
saborosas substâncias cancerígenas
pingo na cueca e óculos embaçados
solado gastado torto
dentes que se quebram sistematicamente no mesmo lugar
desgaste topológico
uso irrestrito
de complexa semiologia
dia dia
noite noite
a calcinha também se esgarça no mesmo lugar
onde roça o calor
do corpo
fendido
ofensa do tempo
recompensa
contemplo apenas mais algumas rugas
que também nada mais são
que as mesmas marcas
que são produzidas na chave
na nova chave
que abre e que fecha
e embora tão nova
já traz marcas da rotina que cumpre
do caminho que faz
a chave tal qual monge
entortar-se-á
no seu hábito
tal qual cachimbo e boca
terça-feira, 8 de junho de 2010
Sem eira nem beira
Tantentoou tanto
Tantentou tanto
Tanto tempo tantentou
Que esmoreceu de vez
Qual semente fincada em pedra
Quimeras, quimeras
Ele não sabia o que eram quimeras
Mas era apenas isto
Que o impedia
De brotar
Por isto
Tentou
Tentou
Até morrer
Qual semente que cai em pedra
Tantenta
Tantenta
Pra morrer
Na insistência
Sem luz
Sem sol
Sem terra
Sem comida
Sem ar
Sem oxigênio
Sem vida
Qual fé agüenta?
Tantenta
Tantenta
Até morrer
Morrendo deixa de insistir
E volta sombrio
Pra escuridão
Que já estava no começo
Fiat lux
Quer dizer que no começo
Não havia luz
Tantentou
Tantentou
Até sucumbir
Tentação que sucumbe
E também apaga tudo
Tantenta
Tantenta
Que não
Mais agüenta
Tantentou
tudo
até não guentar
tantentar mais
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Daqueles que não sabiam aonde iam
Não sabendo nada de nada
foram todos
foram toscos
sem graça
apenas raça
em turbilhão
de gota em gota
multidão
miríade
de pensaventos
e lamentos
tantos
todos
imperscrutáveis
inconfessáveis
imprescindíveis
inaudíveis
surda
cega
muda
burra
tola
caiu da beirada de
sua vaidade
e em sua insalubre
estupidez tornou-se só
isolamento e inócuo vácuo
estúpido e sem lugar
o outro nome da ignorância é
vacância.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Lapso temporal da hemorragia
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Por que Joyce disse e não disse tudo ? Ou um fragmento deturpado de Finnegans
Stefen do Joyce dizia que o tempo era, o tempo é, o tempo não será mais. E então Nuvuoleta não pensou mais em nada, nem em sua leve, nem em sua longa, nem em sua vida. Não canceulou nada, não subiu pelos baluastros nem canceulou compromissos, sem gritos de nuveis nominhos ninfantis. Nem houveram tules nem passagens, nem rios nem correntes, nem indo, nem vindo, nem dada, nem doida nem dança, sem apelodo nenhum. Não haviam celenovelas, nem lunávidos, nem ares vulgares das estrelas de teleamor, não haviam lágrimas nem milágrimas, e rios não correram lagos por ela nem por ninguém, sem mágoas sem água, ora, ora, ora, vá-te embora sem chorar.
Anderson Matos
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Prelúdio à chave do desejo ou como tratamos sempre tão pateticamente as mesmas questões
Anderson Matos 04.06.2006
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