quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Livros na caixa









Enfim, os livros já estão na caixa há quinze dias, é hora de buscá-los. São restos, os livros fora da estante já não tem mais tanta importância. Tirar os livros neste caso é largar o osso, é ir adiante, sem lenço, documento ou papel pendente. Que se levem os papéis. Papelada danada, para que serve tanto livro, tanta letra, tanta folha, tanta palavra, tanta sílaba, ditongo, monossílabo, monotônico? Tanto peso, tanto papel, tanta vida, nos últimos dez anos as estantes se estenderam, ampliaram. Os livros, ex-niil, brotavam, loucura, parecia produção independente, um livro aqui, outro acolá. Delícia, paginas e paginas, palavras e palavras, letras, letras, sons, de dentro, de fora, guturais, intestinos, de outrem. Palavras forjando ser, lavra, sentido, sentimentos e sensações que não encontravam além de si mesmos, lugar outro que não palavra. Tudo passaria, tudo, apenas as palavras não. Depois rir-se ia delas, lamúrias infinitas, masturbação mental, chora primeiro, ri depois. Quando eu consigo ser bem objetivo eu percebo que neste momento devia estar fazendo coisas mais importantes do que escrever, sim, deveria sim escrever, mas não esse tipo de lapidário querelante infinito. Tem um vírus filho da puta que salta diante da tela insistentemente, parece sua lembrança me atazanando, agulha, garfo, pontada, espetada, caralho, putaquipariu. O vírus quer me matar, parece a remoção de todos os livros da estante, houve um momento em que olhá-los na sua ordem desordem, produzia uma calma acolhedora, anestesiante, shi, shi, mamãe, ta aqui, papai ta aqui, titia ta aqui, vovó ta aqui, tem colo aqui. Olhar aqueles livros daquele modo organizados era olhar para uma espécie de sentido para o mundo. Era olhar para outro esteio, sinto o mundo articulado em esteios, redes, o mundo ganha sentido com símbolos. Os livros nas caixas ficam em uma espécie de semi-sepulcro que coloca o mundo como um todo em uma espécie de sombra. Um longo eclipse, eclipse triste. Tirar o resto dos meus livros de sua guarda, é tirar o resto de mim, insistente e sem vergonha que não te larga. Tirar estes livros é produzir uma separação necessária, é tirar o último objeto do resto. É tirar seu rosto do meu gosto. É tirar as palavras da estante e levá-las alhures.