E as palavras continuaram
pingando, até porque, a vida ainda não havia cessado. Outras coisas cessaram,
outras vidas, outros tempos, outras escadas e flores. Mas não haviam cessado
ainda aquelas. Um sem número de nadas haveria de dar um tempo aquela historinha
insignificante. Rodeios e erros repetidos sistematicamente, enfadonha sensação
de cansaço, saco, prevaricação da paciência.
Preciosismos levados ao extremo da extenuação, para ver até aonde o
outro aguenta. Filigranas insuportáveis de detalhes banais e chatos para saber
se o sujeito tem peito para suportar o baque. Nada justifica aguentar a raiva.
Ela achata, mutila e massacra a carne, sojiga, dilacera e mói a alma. Rasga
contratos, dissolve a consideração, cria uma lente iracunda que aumenta todos
os pormenores dando-lhes superlativos indeglutíveis. Nada como o fim do fim.
Nada como o dia a dia comendo tudo, e todos nós, nada como os dias me comendo,
você busca apenas o lugar aonde jogar a pimenta. Nos olhos, nos olhos, nos três
olhos. O tempo anda me comendo, como disse Mozé, ele anda me comendo por trás.
Posso dizer o mesmo de você. A única diferença entre você e o tempo da Mozé, é
que você não escolhe o lado, você come por todos os lados. Come com a boca, com
os olhos, com os ouvidos e as mãos, come, me come com as unhas. Uma das minhas
partes que mais te apetece é meu fígado. Eu sei desde sempre que não
conseguiria ser perfeito, nem a perfeição nem a felicidade fazem parte da minha
espécie. Tolo engodo que somente o desejo permite imaginar possível. Ainda que
os restos sejam levados por uma brisa leve às nuvens, mesmo que repousem barranco abaixo como uma neblina, mesmo que haja um crepúsculo inapagável,
ainda que as lágrimas se percam na chuva, nada, jamais trará à você satisfação.
E é somente por isto que as palavras não param de pingar.
terça-feira, 30 de outubro de 2012
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
sem título 1
Os sapatos debaixo das calças
Debaixo das camisas me olham
Não ousam fazer perguntas
Olhos miúdos perscrutam tudo
Solilóquio sujeito tagarelante
Silencioso escuta tudo
E sabe que na geografia
Não existe universo que o circunscreva
Anatomia nenhuma de biologia nenhuma dirá
Pós gota de pós mortem
Nada
Nadica de nada encontra lugar
Sempre esse rame-rame
É porque eu sou só um grão
Flash rápido
Provavelmente não conseguirei dizer nada que ficará
Além
Que alguém rezasse por minha alma
Corpo cansado
Maltrato
Ato contínuo
De non sense
Você sabe
Que eu nada sei
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Uma revisão para além da ortografia
Eu gosto que você corrija minhas vírgulas
Mas você quer sempre corrigir mais
Vai sempre um pouco mais
Vai nos meus pontos
Calcanhares de Aquiles
Tremas mal postas
Ignorância de reforma ortográfica
Você senhora absoluta da revisão
Dita além de minha entonação
Minhas palavras
Tantas delas
Que se derramam
Letra a letra
Imagem a imagem
Som a som
Fragmento a fragmento
Daquilo que não sai
E que me incrusta
Como ostra
Como pérola
Como porco
Jogá-la-ei alhures
Para que aquele que não tem paladar
Nem pontuação
Engula
Sem tempero
Sem parada
Sem virgula nem ponto
Suas idiossincrasias
De mulher
Revisora caprichosa
De seu modo próprio
De ler a vida
Maldita hora que eu homem
Submeti minha escrita
Ao seu sabor
sábado, 16 de julho de 2011
Depois da morte do pai
Papai, me diz que você não vai morrer nunca
Me diz que você será sempre meu herói imortal
Me diga que mesmo que você e mamãe não se acertem
Ainda que um dia ela te mande embora ou você precise ir
Que você não me abandonará por causa de vocês
Me diga que continuarei sendo seu filho
Mesmo que o mundo vire de cabeça para baixo
Mesmo que os hormônios dela queiram te devorar
Que você não se deixará ser devorado por uma mulher
Mesmo que ela seja minha mãe
Me diga que o seu lugar é um lugar intocável
E que nada neste mundo, nem mesmo a terra vai comê-lo por inteiro
Papai continue sendo meu herói imortal
Me diga que você habita entre os heróis
Ainda que estes heróis sejam mancos, barrigudos ou carecas
Mesmo que me digam que você é feio, tosco ou mal acabado
Ainda que me digam que papai Noel e o coelhinho da páscoa não existem
Mesmo que os outros digam que não
Ainda assim me diga
Mesmo que seja somente para que eu possa acreditar
Que você continuará mantendo um colo pra mim
terça-feira, 21 de junho de 2011
Quando não se sabe o nome
As frases de efeito levarão aonde?
A publicidade?
Lacan citando Lutero diz:
Sois o dejeto que cai no mundo pelo ânus do diabo
Fio de navalha
Desconstrução contínua
Vi não ouvi
Ouvi não disse
Enxerguei não falei
Diarréia
De tubo assustado
Mundo de susto
Solução
Vários soluços
Gazes
Flatulência que malandro chama de covardia: - peidou! (sic)
Beagle pula da cama
Café sem bom dia
Rescisão contratual
Dúvidas de cascas de ovos
No rótulo do cigarro tem um aviso de que ele causa morte
Uma menina aturdida se assusta com o anúncio
Adiverti-a
Pela autopsia passam todos!
quarta-feira, 1 de junho de 2011
Pai de aluguel ou uma piada sobre a mãe ou a ingenuidade cruel das criancinhas
Numa agência de pai de aluguel
Ficará na porta o anúncio:
Homens disponíveis para desempenho de função paterna
Treinados, capacitados, aptos, cordiais serviçais
Bem longe do pai claudicante de Lacan
Eles dão banho
Papinha
Põe pra dormir
Brincam quando necessário
Carregam
Põe pra arrotar
Trocam fralda
Põe a roupa
Avaliam a temperatura
Deitam-se no chão para fazer macaquices
Comem a mamãe se necessário
Não, não, não!
Tava indo tão bem porra!
De onde tirou a idéia de comer a mamãe?
Quem te falou que mamãe trepa?
Que insanidade de onde tirou isto?
Ou até hoje ninguém te explicou
Que a única vez que a minha mãe trepou
Foi para me conceber? Seu filho da puta!
Fudeu com minha agência, fudeu com minha idéia
Que coisa de tocar na sexualidade da mãe
Você nunca ouviu falar isto?
Isto é intocável, isto é sagrado, caralho!
O que você acha que quer dizer ‘imaculada’?
Imaculada é sem mácula
Sem mancha
Sem sexo!
Não contrato mais seu serviço pra agenciar meu Nome-do-Pai
Teu porra, você não deve ter mãe pra pensar um negócio deste
O cara vai comer a mamãe, aonde já se viu isso!
sexta-feira, 13 de maio de 2011
O ordenamento jurídico sobre provimento de alimentos ou 'para fazer uma omelete' ou 'será que eu posso realmente dizer o que penso?'
No quinto dia útil
A loba mostrará os dentes
Inquisidora perguntará sobre recursos
Em uma espécie de prestação de contas de convênio
Quererá saber sobre todas as rubricas
As agruras e quimeras que não foram engolidas
Voltarão todas
Regurgitar-se-á cada mal estar
Eles serão convertidos em centavos de ira
Indeglutível raiva
Que as mulheres guardam quando querem cutucar
O órgão mais sensível do homem
Escroto de ovos
Pour fait les omelets Il faut casseux les oeuves
Para fazer uma omelete é preciso quebrar os ovos
Vai comendo Raimundo!
O ingrediente principal da omelete
É seu
Chora primeiro
Ri depois
Assinar:
Postagens (Atom)